"O último pingo d’água que faltava "
O Estuário do Rio Cocó nasce na Serra da Aratanha e segue a desaguar no mar de Fortaleza, sendo o maior rio da cidade. A sua maior preciosidade está no rico mangue que possui imprescritíveis funções ecológicas, é um infinito berçário para múltiplas espécies. Um filtro biológico que se for medir em valores de moedas da economia, na comparação de valores materiais é de uma importância incontável.
Sua exorbitante fauna e flora é um espetáculo em meio o caos urbano que a cerca. Basta entrar no Cocó e saber o porquê de sua estima para as gerações futuras. A sua fauna é composta por mais de 100 espécies. Algumas espécies são exclusivas do Cocó. No entanto, o desmatamento, o aterramento, a poluição e as construções em áreas irregulares estão cada vez mais reduzindo. Construções sem muitas contestações devido ao progresso desordenado. Em outras capitais brasileiras há um respeito maior a vida. Cidades como João Pessoa e Natal conservam suas matas e seus mangues com um senso maior de responsabilidade. É a coletividade a vencer os dotes individuais.
A área mais afetada do Cocó pela degradação de construções se dá nos bairros nobres. Uma em especial chama a atenção pelo grau de ousadia em sua concepção e de alto índice de desmatamento e aterramento. O Shopping Iguatemi e suas vias de acesso ao estacionamento foram erguidos sobre aterramentos de lagoas de salinas e do mangue, ocasionando perdas de valor precioso para o equilíbrio do estuário. O Iguatemi é o maior símbolo do desrespeito da força do poder econômico individual perante a grandiosidade da coletividade da vida. O valor ecológico do Cocó para a cidade vai muito além os dos serviços prestados no shopping, não há como comparar, mas o Cocó atua no controle de enchentes, na preservação da biodiversidade, no desenvolvimento da pesca, na importância paisagística, no controle do clima, no espaço de lazer, turística e educação ambiental, sendo o principal recurso hídrico com o manguezal e sua planície de inundação que fazia parte a área construída do Iguatemi. Qual a importância de empreendimentos a devastar o Cocó se for medir o beneficio maior da cidade?
Há apenas 50 metros do Rio Cocó a nova extensão do Iguatemi, denominado de Iguatemi Empresarial, um prédio sofisticado. Se já não bastasse o passado comprometedor de construção irregular do Shopping agora querem diminuir ainda mais a já reduzida área do Cocó, permanecer e insistir no erro decorrido. Era a última gota de poluentes que faltava para despertar na sociedade um questionamento maior do fato. A Prefeitura em ofício sugeriu a Câmara à realização inédita de um referendo para debater o tema da tal construção e só assim viabilizar a obra ou não, dependendo do resultado popular. As Leis parecem funcionar na proporção da força bruta do dinheiro. Procurador da “Justiça” entra com toda sua seiva a favor da edificação bizarra e barra na justiça o questionamento democrático. Banalização do poder contra a consulta popular, banalização contra o posicionamento do povo em saber que projetos como este consolidado podem no futuro prejudicar a cidade, inclusive aqueles que compraram alguma sala luxuosa na extensão futurística do shopping. O referendo é a única saída legal. Interesse individual jamais poderá ficar a frente dos interesses coletivos. Questionar míseros gastos contra o referendo é a mesma coisa de mendigar centavos em ver benefícios infinitos a todo um povo. Economia agora para suplantar a democracia? Não vulgarizar o referendo se faz a justiça porque o que está em jogo é o exemplo que isso tudo pode dar em reflexos a qualquer posterior ação a degradação do Cocó. O Shopping, como símbolo maior da devastação, pode ter um momento histórico com a implantação deste referendo. Uma saudosa dívida do empreendimento, e seus assassinos aterramentos ao mangue, perante a cidade, que poderá ter a oportunidade de pagar a primeira das muitas prestações a amortizar o débito caso não se consuma a conclusão da torre. Enquanto os questionamentos ganham a população à área que poderá erguer o prédio está todo cercado com paredes improvisadas de aço a prender as ferramentas do crime, lavrar dos olhos o sangue escorrido do Cocó e esconder as primeiras profundas escavações dos pilares dos alicerces a fixar na lama subterrânea do mangue a encontrar as profundas e eternas raízes. Arrogância e muita estupidez demonstrada pelos donos do projeto.
O pouco que ainda resta do Cocó, que ainda falta para o processo de urbanização destruir. O pouco que luta desesperadamente a cada invasão de dejetos a adentrar ao mangue, a cada aterramento a encobrir as árvores, a cada alicerce a desenvolver pilares de sustentação de prédios a estagnar o espaço, o pouco que ainda reluz o verde está em alto risco de um dia futuro desaparecer. Reduzir a uma única praça de nome Cocó. Educação ambiental nas escolas das comunidades próximas ao Cocó, educação para classe economicamente dominante deste pobre estado. Educação, apenas educação."
Por Tiago Viana.
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